Fique em casa e conte até dez!



Por Franci Palhano

As notícias que vinham de terras distantes passaram a ser as nossas também. O perigo é invisível e desconhece fronteiras e frontes. Por isto, a ordem é ficarmos em casa. Nada de escola, nada de trabalho, nada de praia, nem de parques, nem de bares. O nada é quase tudo. Ficar em casa é mensagem tamanho único, que serve para quem tem casa grande, com espaços ocos, quintais frondosos, e ainda para os que vivem em pequenos cômodos. Ah! E também para os sem-cômodos.  

Nunca sentimos tanto medo. Abraços, beijos, apertos de mãos viraram perigosas formas de transmissão. A primeira lição do Novo Manual de Salvação é o ritual de lavar as mãos! Como se tivéssemos esquecido o óbvio.  Mais óbvio ainda é dizer que, em milhares de lugares, não dá para fazer o dever de casa, pois as torneiras cantam uma canção sem melodia, anunciando o não.

Hoje conjugamos verbo novo: vizinhar, mantendo distância. E repetimos a reclamação: o que fazer em casa, além de descansar, até cansar? Nós nos sentimos incompletos sem os cheiros e os charmes, os jeitos e os gestos, as múltiplas faces da vida, além das paredes que nos abrigam. São extensões do que somos. Foi preciso lembrarmos uns aos outros, como uma corrente de simpatia, que entre uma porta e outra de onde moramos, há muito o que se fazer. Sabe aquele livro? O quadro que deseja pintar? A receita do bolo de milho? Podemos ligar o microfone, sem medo de pilotar (também) um fogão. E por que não? Traz uma toalha bonita que o café está por vir! Bom lembrar que do outro lado da porta, há muitos pratos virados e que é preciso esvaziar as fomes: sejam elas de pão, ou de palco.

Que tal desenharmos coração para as avós ilhadas dos netos?  Entenderão que é amor. E não é o que importa, quando as pernas perdem as forças, o pensamento voa para muitos ontens e a lista de remédios aumenta, à medida que se tornam como água do pote, contra a pesada mão do tempo? Somos todos frágeis como um canhão de guerra e tão grandiosos quanto minúsculos, diante dos números que nos contam. E, acreditem: estamos todos ligados ao umbigo do mundo.

A ordem suscitou outras (des)ordens. Se a porta da rua não é a saída, restam as janelas, as varandas, os terraços. Não foi ao toque do teclado, nem na velocidade da Internet, que se fez o som da quarentena. A nossa comunicação ecoou no bater das panelas, na gratidão das palmas e na emoção das canções. Quem cantou, esperançando resposta, é porque entende que a vida não é só esta porção.

Ficar em casa é dizer que queremos ver crescer, os que ainda não viram a lição sobre vírus, e que perguntam: "é como brincar de se esconder? ”   Para hoje, que tal contarmos de um até dez e procurarmos, dentro de nós, a criança que brinca de esconde-esconde e, com ela, reencontrarmos o que deixamos pelos caminhos e descaminhos. Inclusive a Fonte de água que nunca seca e que tem sede da nossa atenção. Vamos tentar? 


Franci Palhano - 21.03.2020


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